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Rastreamento do EGB na Gestação: Alternativas

Descrevo abaixo as informações mais importantes sobre o exame de estreptococos na gestação. O Ministério da Saúde não recomenda fazer este exame, mas existem protocolos em outros países que ainda indicam. Em geral, considero adequado que as alternativas sejam apresentadas à gestante e família e que ela possa decidir qual a melhor opção para si.

Sobre o exame de estreptococos (do grupo B, EGB), há dois protocolos sobre quem deve/pode fazer e como interpretar os resultados. Antes de falar deles, vou explicar rapidamente o que significa o EGB numa gestante, porque acho importante você entender de que se trata, antes de qualquer outra coisa.

O EGB é uma bactéria presente comumente nas pessoas, especialmente no trato gastrointestinal, mas ela aparece como uma “colonização” e não uma “infecção”. Isso significa que ela está lá, mas não causa nenhuma doença, nem infecta nada, ela faz parte da flora de algumas pessoas, assim como temos várias outras bactérias e fungos com os quais convivemos cotidianamente sem que isso seja um problema.

Uma mulher com EGB positivo durante a gestação não está com uma infecção, o resultado apenas significa que a bactéria está presente no swab (o cotonete que é usado para colher o material) e que, portanto, esta mulher tem o EGB passeando por ali sem causar nenhum mal, naquele momento. Assim, não é preciso tratar um EGB positivo no swab vaginal, mas caso ele apareça num exame de urina, aí sim é preciso tratar.

Essa colonização é intermitente, ou seja, já se sabe que alguém pode ter o EGB+ hoje e ter o EGB- semana que vem, porque a bactéria vai e volta. Alguns estudos, brasileiros inclusive, mostram que até 1/3 de todas as mulheres têm EGB positivo em algum momento na gestação.

A preocupação com o EGB é a possibilidade de que ele infecte o bebê (não apenas na passagem pelo canal de parto, porque há relatos de bebês com infecção neonatal por EGB mesmo em cesáreas). A infecção por EGB no recém-nascido se manifesta geralmente com sintomas respiratórios que podem evoluir para uma pneumonia ou mais raramente meningite ou sepse, mas muitos bebês de mães EGB+ são apenas colonizados (apresentam a bactéria, mas não apresentam a doença) e, como a maioria deles nem é testada, em geral não se sabe ao certo se os bebês tinham ou não EGB presente.

Há dois tipos de infecção neonatal por EGB: de início precoce (sintomas iniciam entre 24-48h de vida, em geral, sendo mais comuns nas primeiras horas de vida) e de início tardio (entre 1 semana e 3 meses de vida). A prevenção com antibióticos durante o parto, quando realizada, protege apenas contra a infecção de início precoce (mais informações mais abaixo). O tratamento da doença, quando ela acontece, é internação e antibióticos. Como a discussão sobre fazer ou não o exame e dar ou não antibióticos durante o trabalho de parto se aplica especificamente à doença de início precoce, seguem abaixo os dados sobre a ocorrência do EGB em mulheres, risco infecção precoce e morte no bebê:

  • Probabilidade de uma mulher gestante ter EGB+: 10-30%, a depender do estudo;(1–4)

  • Probabilidade de um bebê de mãe com EGB+ ter infecção neonatal por EGB de início precoce: 1-2%, se não for utilizada profilaxia ou qualquer outra medida preventiva;(5–7)

  • Probabilidade de óbito em bebês que desenvolvem infecção por EGB: 4-6% daqueles que desenvolvem a infecção de início precoce, sendo de apenas 2-3% entre os bebês a termo (2-6% de 1-2%).(8,9)

A partir desses dados, há dois protocolos diferentes para lidar com a questão do EGB:

  • Protocolo “americano” (mas também utilizado em outros países): rastrear todas as mulheres com 35-37 semanas e fazer profilaxia em todas aquelas que tenham resultado positivo (usar antibiótico durante o trabalho de parto, na veia) – e não fazer naquelas que forem EGB-;(6)

  • Protocolo “britânico” (mas também utilizado em outros países): não rastrear de rotina e fazer a profilaxia em quem tiver um dos seguintes fatores de risco:(10)

  • Trabalho de parto prematuro

  • Mais de 18h de bolsa rota (ruptura da bolsa)

  • Gestação anterior com bebê que desenvolveu a infecção

  • Infecção de urina por EGB na gestação (mesmo que tratada)

Esses fatores de risco do protocolo britânico foram estudados e aumentam a chance de que o bebê venha a apresentar infecção por EGB de início precoce (principalmente prematuridade). Por essa razão, independente do resultado do swab, seria racional propor o uso do antibiótico para essas mulheres com bebês de maior risco. O que se considera, nesse protocolo, é que, como a colonização é intermitente, o resultado negativo com 35-37 semanas não garante que o EGB não esteja presente no dia do parto e, portanto, seria mais racional usar a profilaxia nos casos de risco e não apenas em quem teve resultado positivo com 35-37 semanas.

No protocolo americano, se propõe o rastreamento para todas as mulheres, mas apenas aquelas com resultado positivo recebem a profilaxia com antibiótico na veia, mesmo que haja fatores de risco. O que acontece, neste protocolo, é que até 1/3 de todas as mulheres, mesmo em gestação saudável, receberão antibióticos na veia durante o trabalho de parto, mesmo que ele corra bem, seja rápido, com a bolsa íntegra, que o bebê esteja a termo etc. E algumas que tiveram o resultado negativo com 35-37 semanas podem estar colonizadas com EGB no dia do parto e não receberão o antibiótico.

Os dois protocolos são válidos e as equipes obstétricas no Brasil se dividem entre um e outro, mas o Ministério da Saúde(11) não preconiza fazer o exame em nenhuma mulher – o que é consistente com o protocolo britânico. Ou seja, no SUS, no Rio de Janeiro e na maioria dos lugares do país, os profissionais devem seguir, em tese, o protocolo de pré-natal do Ministério da Saúde, que não recomenda, explicitamente, triar ninguém. A questão do antibiótico intraparto também não está definida (ou seja, o Manual de Parto do Ministério não define que se dê antibiótico para as mulheres em trabalho de parto para prevenir infecção por EGB).

Caso haja indicação e se opte por fazer o antibiótico intraparto, ele precisa ser administrado quatro horas antes do parto. Como não se sabe ao certo quando os partos acontecerão, o que se faz é administrar o antibiótico a cada 4 horas, a partir da fase ativa do trabalho de parto. Um grupo de pesquisadores fez uma revisão da literatura sobre a eficácia e a segurança do uso do antibiótico durante o trabalho de parto na prevenção de infecção neonatal por EGB e chegou às seguintes conclusões:(12)

Três estudos foram encontrados na revisão. Os pesquisadores que avaliaram criticamente as publicações e seus resultados concluíram que o risco de viés (erro na condução ou na conclusão do estudo) é alto, em razão dos métodos utilizados. O uso do antibiótico não reduziu significativamente o risco de mortalidade por qualquer causa, mortalidade por infecção por EGB ou infecções por outras bactérias. A incidência de infecção por EGB de início precoce foi reduzida pelo uso do antibiótico comparado a não fazer nada – risco relativo de 0,17, sendo que houve 1 caso de infecção por EGB entre 233 bebês cujas mães receberam antibiótico (0,4%) e 12 casos em 255 bebês de mães que não receberam antibiótico durante o parto (4,7%). Ou seja, o antibiótico pode reduzir o número de casos de bebês diagnosticados como tendo infecção por EGB, mas não tem impacto sobre o risco destes bebês morrerem em decorrência da doença. A conclusão da revisão informa que a profilaxia com antibiótico parece reduzir a infecção por EGB de início precoce, mas que esse resultado pode ser consequência de potenciais vieses, e que ainda há uma lacuna de evidências científicas de qualidade, de estudos bem desenhados e bem conduzidos, para recomendar antibióticos para a prevenção de infecção por EGB.

No caso do parto domiciliar, EGB+ não é uma contra-indicação absoluta (se a mulher ou a equipe decidirem fazer o exame), mas eu entendo que, se é para seguir o protocolo que faz o rastreamento de rotina, o correto seria fazer o antibiótico na veia durante o trabalho de parto se o resultado for positivo. O mesmo valendo para quem decide não fazer, mas apresenta fatores de risco – por exemplo, bolsa rota por mais de 18 horas. Eu pessoalmente tenho reservas a fazer antibiótico na veia em casa, particularmente porque há riscos envolvidos na administração de medicação endovenosa que ninguém deseja ter em casa, com o bebê ainda no útero. Mas também porque, se está decidido que aquele é um caso de bebê de risco, que precisa de antibiótico intraparto, este bebê possivelmente não deveria nascer em casa.

Referências:

1. Dillon HC, Gray E, Pass MA, Gray BM. Anorectal and vaginal carriage of group B streptococci during pregnancy. J Infect Dis. 1982;145(6):794–9.

2. Regan JA, Klebanoff MA, Nugent RP. The epidemiology of group B streptococcal colonization in pregnancy. Vaginal Infections and Prematurity Study Group. Obstet Gynecol. 1991;77(4):604–10.

3. Anthony BF, Okada DM, Hobel CJ. Epidemiology of group B Streptococcus: longitudinal observations during pregnancy. J Infect Dis. 1978;137(5):524–30.

4. Boyer KM, Gadzala CA, Kelly PD, Burd LI, Gotoff SP. Selective intrapartum chemoprophylaxis of neonatal group B streptococcal early-onset disease. II. Predictive value of prenatal cultures. J Infect Dis. 1983 Nov;148(5):802–9.

5. National Institute of Health. Summary of the workshop on perinatal infections due to group B Streptococcus. J Infect Dis. 1977 Jul;136(1):137–52.

6. Centers for Disease Control and Prevention. Prevention of perinatal group B streptococcal disease--revised guidelines from CDC, 2010. MMWR Recomm Rep. 2010;59(RR-10):1–32.

7. Boyer KM, Gotoff SP. Strategies for chemoprophylaxis of GBS early-onset infections. Antibiot Chemother. 1985 Jan;35:267–80.

8. Schrag SJ, Zywicki S, Farley MM, Reingold AL, Harrison LH, Lefkowitz LB, et al. Group B streptococcal disease in the era of intrapartum antibiotic prophylaxis. N Engl J Med. 2000;342(1):15–20.

9. Phares CR, Lynfield R, Farley MM, Mohle-Boetani J, Harrison LH, Petit S, et al. Epidemiology of invasive group B streptococcal disease in the United States, 1999-2005. JAMA. 2008;299(17):2056–65.

10. National Institute for Health and Clinical Excellence. Antenatal Care Guidance. NICE Guidel. NICE; 2008;[CG62]:1–59.

11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Ferreira AS de F, Silva MAS da, editors. Editora do Ministério da Saúde, 2012. 2012.

12. Ohlsson A, Shah VS. Intrapartum antibiotics for known maternal Group B streptococcal colonization. Cochrane database Syst Rev [Internet]. 2013 Jan [cited 2014 Dec 17];1:CD007467. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23440815

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